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Das dez
redações feitas pelo Fantástico, quatro foram zeradas pelo Enem. Seis
pontuaram. Uma delas, com boa média: 600 pontos.
Nós reunimos no
Rio de Janeiro cinco especialistas em redações vindo de quatro estados. Eles
avaliaram as provas sem saber que foram feitas por jornalistas. Dadas as notas,
revelamos.
Redação com o hino do Ibis
"O
importante é ler as redações, a fim de que as notas sejam justas. E cantar o
hino do Íbis, o pior time do mundo: ‘Vamos, meu Ibis, à luta. Em qualquer
disputa, estaremos ao seu lado’", dizia a primeira redação.
A banca do
Fantástico concordou com o Enem e o hino do Ibis zerou a prova.
Redação com parágrafo escrito com a língua do “P”
Outra redação
zerada pelo Enem: um parágrafo escrito na língua do “P”. Mas nenhum dos
professores da banca do Fantástico consideraram a língua do “P”.
Todos concordaram também com a anulação da prova com trechos de letra de
música.
Redação com recado para o avaliador
E quando há um
recado ao avaliador: "Será que meu corretor vai permitir que meu texto
seja aprovado? Ou vale barbaridade como no exame passado?" Todas essas
redações foram zeradas.
Nas quatro
redações, nossos avaliadores e o Enem concordaram e elas estão entre as 1.398
que foram zeradas por causa do deboche. Como o Enem, eles pontuaram outras duas
redações polêmicas, mas deu grande diferença nas notas.
Redação com recado para o Papai Noel
“Por isso,
Papai Noel, peço ao senhor que ilumine a cabeça dos magistrados brasileiros no
próximo Natal!”
Agostinho Dias Carneiro, professor de letras da UFRJ: “Considerei isso uma inserção um
pouco infantil e tirei os pontos por aqui. Então, ele está com 620”.
Fantástico: O
resto do texto está bom?
Agostinho Dias Carneiro: O resto do texto é bom.
Wilton Ormundo, professor de português: Eu pontuei bem baixo. Foram 210
pontos.
Agostinho Dias Carneiro: As instruções para os avaliadores
são altamente subjetivas e fragmentadas.
Fantástico: Então,
isso permite uma avaliação mais subjetiva.
Agostinho Dias Carneiro: Com certeza.
São avaliadas
cinco competências em uma redação. Cada uma vale 200 pontos. Basicamente, os
professores querem saber se o aluno é capaz de escrever um texto coerente, com
boa argumentação e uso da língua formal.
Cada redação é
corrigida por dois avaliadores. Se as notas tiverem diferença de mais de 100
pontos, um terceiro avaliador é chamado. E, segundo o MEC, quase a metade dos
textos - cerca de 2,5 milhões de redações - foi para o terceiro corretor.
Permanecendo a
dúvida, o texto vai para uma banca de especialistas. “Você vê que essa inserção
do Papai Noel gerou, aqui entre nós, cinco posições bem diferentes, e nenhuma
delas está errada”, declara Cláudio Cezar Henriques, professor de letras da
UERJ.
Redação que fere a norma do uso da língua formal
A redação
seguinte fere a norma de uso da língua formal. É escrita com as abreviações
usadas em mensagens de texto, ou conversas por computador.
“Esse texto não
pode ser penalizado porque apresenta o ‘internetês’, afirma o professor de
português Osvaldo Menezes Vieira.
“Se é problema
de grafia, não é um problema que interfira na organização mental do texto. Isso
é só um problema de grafia. Então, o desconto aí é pequeno”, diz Agostinho Dias
Carneiro, professor aposentado de letras UFRJ.
“Eu dei 240.
Porque, a despeito de haver problema de ortografia. Mas há problemas também na
consistência narrativa”, explica Chico Viana, professor de letras da UFPB.
‘Internetês’
não anula a prova, mas não é uma boa ideia usar. A nota cai muito.
Redação com erros históricos
A redação com
os erros históricos tirou 600 pontos no Enem e foi a que mais dividiu opiniões
entre os professores da nossa banca. O texto diz, entre outros absurdos, que a
Lei Seca foi criada na ditadura militar, pelo AI-5, que o carro foi inventado
na idade média e que o presidente Getúlio Vargas, que se suicidou, morreu em
acidente depois de um jantar em que bebeu vinho.
“Lembra o
‘samba do criolo doido’”, afirma o professor Chico Viana.
Dois
professores deram zero. “A proposta de redação avisou claramente para esse
aluno que é impedido que ele adentre a universidade, uma vaga pública gratuita
de qualidade com um texto que é incoerente e promove um certo deboche a
respeito da proposta”, declara o professor de português Osvaldo Menezes Vieira.
Dois
professores deram notas parecidas, baixas: 300 e 280. “Em certo momento, a
gente fica naquela dúvida: Houve propósito de excessos indevidos para ironizar,
ou realmente desconhecimento histórico?”, indaga o professor aposentado Chico
Viana.
“Você vai
encontrar, sim, muitos estudantes brasileiros mal preparados e que escreveriam
absurdos mais ou menos semelhantes a este aqui”, afirma o professor de
português Wilton Ormundo.
E um dos nossos
professores convidados deu a redação controversa a mesma nota que o Enem: 600.
Lembramos: uma nota boa, que pode dar acesso à universidade.
“Não fico feliz
por isso não. Mas admito que seria assim, uma espécie de paródia, uma sátira”,
explica Cláudio Cezar Henriques, professor de letras da UERJ.
“Com 600, eu
acho que você está dando um recado errado para esse candidato. Ele vai
ingressar na universidade sem conhecimentos mínimos que ele deveria ter como
cidadão, inclusive”, ressalta o professor Wilton Ormundo.
Essa redação,
cheia de erros históricos, ficou na faixa de maior concentração das notas do
Enem. Quase 28% dos candidatos tiraram entre 500 e 600 pontos.
Redações com apenas cinco ou seis linhas originais
Os casos mais
graves são os de três redações. Os jornalistas do Fantástico escreveram apenas
cinco ou seis linhas originais, e completaram a resto com cópia. Dois nem
tentaram disfarçar. Tiraram trechos dos textos que serviam de base para a
própria redação.
Como um ‘copiar-colar’ feito à mão. O último, copiou trechos de questões da
prova aplicada no mesmo dia, parágrafos inteiros, que nem tinham relação com o
tema Lei Seca.
Redações pontuaram mesmo ferindo critério técnico do Enem
E todos
pontuaram, mesmo ferindo um critério técnico do Enem. Que diz o seguinte: se
houver cópia esse trecho copiado deve ser desconsiderado. E o avaliador vai
corrigir só o que sobrar de autoria do candidato, mas para isso é preciso que
tenha pelo menos sete linhas, sem as sete linhas, é zero.
Na nossa banca,
todas zeraram. Mas no Enem tiraram 260, 380 e 440 pontos.
Professor Wilton: Esse não é nem subjetivo. Seria uma
razão bastante objetiva para zerar.
Professor Osvaldo: Dois
avaliadores que não se conhecem, em lugares diferentes do país, darem nota para
um texto que é claramente cópia dos textos motivadores? Então, é inaceitável.
Avaliador do Ministério da Educação é remunerado por produtividade
No ano passado,
o Ministério da Educação contratou e treinou 7.121 avaliadores. Cada redação
foi corrigida por dois corretores, que podiam estar em extremos opostos do
país. Eles recebiam pelo computador no mínimo 50 redações por dia. O avaliador
é remunerado por produtividade. Quanto mais redações corrigir, mais dinheiro
vai ganhar.
Fantástico: Como o senhor avalia a avaliação
feita dessas provas?
Francisco Soares, presidente do INEP: A avaliação cumpriu a função
que a gente esperava.
Essas dez redações elas receberam notas adequadas ao que elas tinham para
apresentar. Nós não temos um sistema falhando aqui.
Os corretores
do Enem assinam um compromisso de confidencialidade. Não podem falar sobre o
processo. Por isso, uma professora não mostra o rosto. Ela diz que se inscreveu
para poder preparar melhor seus alunos do ensino médio, conhecendo o sistema
por dentro.
Fantástico: E qual foi a sua impressão?
Corretora: Muito
boa, muito boa.
Ela conta que
chegou a receber 150 redações em um só dia para corrigir. Mas se recusou.
Corretora: Eu não consigo. Eu corrijo 50
redações. Eu não queria e não saberia corrigir 100 redações. Corrigir muitas em
um dia pode trazer mais cansaço, pode provocar mais cansaço, mas ainda que
esteja muito cansado, nós quase decoramos a proposta.
Fantástico: Então,
não dá para passar despercebido?
Corretora: Não.
Nao deve passar despercebido.
Presidente do INEP fala sobre possível falha na correção das redações
Segundo o MEC, 3.185 redações foram zeradas por causa de cópia ano passado.
Outras quase nove mil zeraram porque não tinham sete linhas.
Fantástico: Como estas passaram?
Francisco Soares, presidente do INEP: Primeiro, vamos deixar claro de
que essas redações foram construídas por pessoas sofisticadas. Essa
sofisticação não corresponde ao aluno típico. Então, nesse caso, os textos
começam com linhas autorais e a cópia está espalhada.
Fantástico: O
senhor me desculpe, mas eu vou insistir. Porque são cinco linhas autorais e o
resto é tudo cópia. Não é nem reescrito, é cópia.
Francisco Soares: Mas
eu quero insistir que existiam linhas autorais. Em uma correção de redação, há
uma dimensão subjetiva. Por isso é que nós temos mais de um corretor. Aqui está
se discutindo que ela devia ter zero. Mas eu tive notas muito baixas. De 260,
de 300 e pouco.
Fantástico: De
440.
Francisco Soares, presidente do INEP: De 440, abaixo dos 500 pontos
que seria o ponto que o Inep considera como o nível mínimo que alguém que está
terminando o ensino médio deve ter.
Fantástico: Dependendo do desempenho dele nas
outras provas, ele pode ter acesso à universidade, não pode?
Francisco Soares, presidente do INEP: O critério de uso da nota do Enem é um
critério da universidade. Sim, esse aluno, ele pode ser admitido na
universidade com essa nota. Fica muito mais difícil porque essa nota está baixa
e há uma enorme competição.
Só neste ano,
mais de 170 mil alunos estraram em universidades públicas com o resultado do
Enem. Mesmo com possíveis erros de avaliação, a melhor maneira de brigar por
uma vaga é se preparar bem, e levar o exame a sério.